Gabbe tivera um pesadelo. Em seu sonho, a neblina encobria seus pés, ultrapassando o tornozelo, chegando aos joelhos, impossibilitando-a ver o que se arrastava sobre o chão lamacento e escorregadio. Respirava uma densa fumaça que, com o auxílio do vento, se propagava pelo ar, causando náuseas e tonturas a quem a inalasse. No silêncio desolador, podia-se ouvir o bater de asas de um pássaro negro rasgando alto no céu e o som de uma coruja em um dos galhos das árvores a sua volta. O céu estava tomado pela escuridão da noite sombria, apenas a lua destacando-se nele como um pequeno ponto brilhante à distância. O ar gélido e seco invernal sopravam em seus cabelos e batia grosseiramente contra seu rosto. Tudo aos seus olhos estava submergido em uma camada de medo e terror; tudo o que a rodeava parecia, inegavelmente, ter saído de um daqueles filmes de terror que se assiste numa noite de sexta-feira.
Suas pernas cambaleavam, seus joelhos tremiam, suas mãos entrelaçadas uma na outra nervosamente suavam; temia que pudesse cair ali mesmo. Sentia seu coração irromper em seu peito, contraindo-se bruscamente em um ritmo frenético; talvez a qualquer minuto seu coração parasse ali mesmo. Gabbe não sabia como fora parar naquele lugar, mas desejava que quem, ou o que quer que fosse que tivesse a impelido até ali, conduzisse-a de volta a sua casa quentinha e aconchegante, onde se sentia segura e não possuía temores. Ela queria gritar, perguntar o que estava acontecendo, pedir para que parassem de fazê-la de marionete, mas as palavras se acumulavam em sua garganta como um bolo, fazendo-a se sentir cada vez mais e mais sufocada.
Um tremor atingiu-a quando algo tomou forma a sua frente. No escuro, ela mal pôde distinguir o que via, mas, quando sua visão ajustou-se ao breu, aos poucos a forma, até então misteriosa, revelava-se em um homem alto e forte, com feições marcantes e um ar majestoso. Estava vestindo uma calça jeans desgastada e uma jaqueta de couro preta sobre uma camiseta justa ao corpo também preta, seus pés e tornozelos estavam cobertos pela neblina. Observando seu rosto, a primeira coisa que constatou foi que ele era – incrivelmente e desumanamente – lindo. Mais do que isso, ele era pecaminosamente de tirar o fôlego! Seus olhos lembravam o oceano, azul e assustadoramente profundo; parecia que bastava apenas um olhar mais intenso para perde-se em sua imensidão.
Quando os lábios do estranho fizeram o mais imperceptível dos movimentos, algo despertou em seu interior. Desejo. Olhando para seus lábios avermelhados e convidativos, ela sentiu o desejo ardente e consumidor percorrer por cada músculo, cada célula, cada fibra, cada partícula de seu ser, dominando-a por inteiro. Gabbe estava hipnotizada por aquele homem.
Aproximando-se cautelosamente, ele retirou os cabelos ao redor do pescoço dela, enquanto a mesma, sem reação alguma, apenas o observava de olhos arregalados. E assistiu com horror as pequenas e quase imperceptíveis veias saltaram sob a pele ao redor de seus olhos; viu, também, quando seus dentes caninos cresceram em sua boca, arranhando levemente seus lábios; viu sua feição mudar tão repentinamente quanto ele apareceu para ela.
Tentou desvencilhar-se dele, mas as mãos fortes que a seguravam sofreram uma mutação e tornarem-se mãos grandes e pegajosas, com unhas pontiagudas que podiam perfurar qualquer coisa. Garras. A pele do estranho transformou-se em uma superfície enrugada e seca, deixando toda sua beleza de lado.
Ele era um vampiro, descobrira Gabbe tarde demais.
Sentiu as presas perfuraram seu pescoço com uma dor incômoda que foi se intensificando, tonando-se uma o dor pontiaguda que se entendia além de seu pescoço. A sensação era de que não apenas seu sangue estava sendo drenado de seu corpo, mas também sua alma. Lenta e dolorosamente sua alma esvaia-se de seu corpo e sua mente vagava de encontro à inconsciência. A morte a esperava…
E então ela acordou num sobressalto em sua cama, encharcada de suor e horrorizada pelo pesadelo. Passou a mão no pescoço para assegurar de que nada daquilo que sonhara era real, e ficou aliviada por não ter nenhum vestígio de mordida ali ou algo que pudesse deixar marcas de dentes. Porém, quando decidiu se levantar da cama e jogou seu edredom para longe de seu corpo, notou a cama suja de terra e algumas folhas amareladas sobre a mesma. Olhou para suas mãos para descobri-las cobertas por um líquido escuro e já seco. Sangue, constatou aterrorizada, seu sangue.
Seu corpo foi bombardeado por uma série de tremores que pareciam jamais cessarem. Sua mente esforçava-se para regressar à noite anterior, mas, mesmo com todo o seu empenho, as lembranças da noite anterior eram como um borrão.
Gabbe gritou. Gritou o mais alto que pôde. Mas ninguém parecia ouvir seu desespero,
E foi só então que percebeu que seu pesadelo era mais que um sonho, era a realidade transformando-se no próprio pesadelo.
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